Elizabeth II governou por 72 anos. Uma longa jornada de uma chefe de Estado que superou o Século XX. Um século de turbulências, marcado por duas guerras, uma corrida nuclear, Guerra Fria, queda do muro de Berlim, consciência ambiental, processos migratórios e profundas mudanças de comportamento.
A rainha inglesa assistiu o seu país vencer uma guerra mundial, perder a hegemonia como potência líder planetária para sua ex-colônia, os Estados Unidos da América. Porém, a Inglaterra de Elizabeth II é um reino que soube permanecer na adversidade. “A ilha” era também um império e ainda é sede do Reino Unido, do qual fazem parte Austrália, Canadá e Jamaica.
A rainha morre, mas o reino permanece. O monarca inglês não governa, mas é um símbolo de estabilidade. Uma demonstração de continuidade institucional, de respeito a regra e de saber mudá-las no tempo certo sem destruir as instituições que as sustentam. Você pode pensar que deveríamos ser mais ingleses, mas nós não somos a Inglaterra. Se quer fomos uma colônia inglesa, e mesmo se fôssemos, não sei até onde isto mudaria o nosso destino.
Somos uma nação imensa e extensa, forjada na colonização lusitana e com aspectos bem distintos dos britânicos. Mesmo quando fundamentos o Estado Nacional, em 1822, através de uma monarquia, o nosso regime passou longe da história e da estabilidade inglesa. Nossa monarquia não durou, mesmo o último imperador, Dom Pedro II, ser mais republicano e liberal que muitos políticos que se diziam partidários da república de seu tempo.
A Inglaterra mantém uma monarquia por séculos e faz dela um símbolo de sua identidade. O rei é a garantia simbólica de convergência das divergências, da necessidade de um acordo entorno da manutenção da unidade e respeito as instituições. Por isso, um conservador e um liberal inglês está distante do que temos em nosso território dos que se de finem por estas posturas.
John Locke, o pai do liberalismo político, defendeu e atou pela redução do poder da monarquia, pela obediência a vontade do povo, pelo respeito as instituições e considerava o parlamento a expressão máxima da representatividade. Contudo e jamais, o pensador inglês, defendeu a extinção da monarquia. A considerava fundamental para a estabilidade política inglesa.
Logo, o longo reinado da rainha atravessou o Século XX e soube superá-lo. Mesmo conservadora, a monarca viveu mudanças profundas no contexto mundial e em seu contexto doméstico. Ela soube superar suas crenças e dogmas que não correspondiam mais a necessidade de seu tempo. Diferentes de líderes que desejam se perpetuar no poder, Elizabeth II representou por muito tempo sua nação, sua permanência é de causar inveja aos que amam a eternidade do cargo, mas nunca tiveram competência para tê-la.
Enquanto a rainha que faleceu ontem brilhou como imagem pública ao longo de mais de 70 anos, muitos ainda estão presos ao passado e clamam por tradições que não são capazes de exercer em sua vida prática e tem uma história contraditória e marcada por atos autoritários, obscuros e incertos.
Não sou monarquista e considero que o Brasil não combina com o regime monárquico, por mais que talvez ele fosse um ambiente de mais estabilidade do que a república que vivemos. Porém, os ingleses e sua monarquia parlamentar nos dão uma lição, preservar as instituições e garantir a aplicação da lei é a maneira de garantir a liberdade. Mudar é uma necessidade e superar o Século XX com seus regimes autoritários e guerras uma lição, que muitos insistem em não aprender.