Um governo para consumir
O governo federal anunciou a redução de impostos sobre os veículos mais baratos para estimular as vendas. A medida recebeu críticas e elogios. Há de se dizer, mais pedradas do que afagos.
O que está por de traz desta medida?
Nós sempre estamos de olhos nas ações governamentais de forma cotidiana. Um ato atrás do outros, um dia após o outro, até se fecharem, no caso brasileiro, os quatro anos de mandato.
O que não se percebe é as tendências dos governos, sejam eles ditos de esquerda ou de direita, de promoverem o acesso da população aos bens de consumo. Dar aos seres humanos a capacidade de aquecer a economia com seus sonhos.
Há interesse de aquecer a cadeia produtiva, de gerar mais empregos com o consumo. Mas, isso não resolve o problema em médio e longo prazo. É apenas gerar a sensação de poder consumir e ter acesso ao desejo imediato. No futuro, este sonho se transformará em um pesadelo.
O sonho é um problema
As cidades estão se entupindo de carros. A quem interessa?
Claro, volto a repetir, carros consomem combustíveis, necessitam de seguros, peças de reposição. Carros movimentam o mercado. Mas, não resolvem problemas sérios.
Geram poluição, transformam a vida cotidiana nas grandes cidades em um caos, nas médias já estão se transformando em um problema.
Todos sabem o que o automóvel se transformou nas últimas décadas. Se a 40 anos ele não era significativo nas ruas, eram poucos, hoje se multiplicaram como um símbolo fantasioso de prosperidade.
Acredita-se que nesta vida curta todo o ser humano quer jogar na aquisição os seus desejos e transformar suas vontades imediatas no passo a passo para a morte em uma vida sem sentido.
O poder público expressa a vontade popular na democracia do consumo para realizar o desejo de cada um de forma coletiva. A questão social deixou de ser prioridade para avançar sobre as particularidades somadas.
Logo, em vez do conjunto das relações nós apostamos na vontade particular. Assim raciocina a lógica do poder. Assim se constitui a democracia do consumo.
O que realmente importa
A grande questão é que nós queremos o acesso aos bens de consumo. O que nos faz feliz é a aquisição material, não o futuro.
O futuro requer compromisso e renúncia. Temos que resistir ao desejo imediato para uma satisfação posterior. Para uma parte considerável das pessoas esta não é uma tarefa fácil. Para um coração carente de vitórias a compra de um troféu pode ser acalentador.
O governo deveria isentar a produção de alimentos básicos, reduzir custos da saúde, promover a educação, valorizar o transporte público com menor tarifa e mais qualidade.
O saneamento básico deveria ser prioridade, por exemplo.
Por isso, há uma mentalidade impregnada de que é melhor um sonho endividado e caótico hoje do que a construção de um futuro que exija comprometimento. O ser feliz agora coloca em risco o amanhã.
Por isso, a medida do governo não para agradar o cidadão, mas sim para satisfazer o consumidor, imediatista e iludido com os objetos de vida curta e de futuro incerto.